quarta-feira, 29 de maio de 2013

Esperanto: uma língua sensível e democrática

Entrevista feita por Enric Llopis com Joan Català i Piñon, autor de “Teus filhos deveriam comer mais couve-flor e aprender um pouco de Esperanto” (Ed. Comú), publicada no portal Rebelión, em 28/05/2013. Tradução: Haroldo Gomes.

Além de ativista social (participou no coletivo editor de Indymedia em La Plana e Barcelona), Joan Català i Piñon trabalha como programador de informática especializado em Software Livre. Parte de seu ativismo consiste em oferecer, de modo voluntário, cursos sobre essa ferramenta transformadora em escolas e associações. Mas, também difunde o Esperanto, uma língua sensível e democrática, de comunicação universal a qual dedicou um livro: “Teus filhos deveriam comer mais couve-flor e aprender um pouco de Esperanto” (Ed. Comú). Considera como uma virtude desse idioma que permite a todos os falantes “situar-se num plano de igualdade”, com independência do domínio linguístico ao qual pertencem, seja hegemônico ou minoritário.
- Você titula seu livro à maneira surrealista, “Teus filhos deveriam comer mais couve-flor e aprender um pouco de esperanto”. Que relação tem a couve e o esperanto?
O título é pura criatividade para captar a atenção do leitor. Não gostava da ideia de por um título aborrecido e pensei que um título rocambolesco faria com que as pessoas pegassem o livro para tentar averiguar de que trata essa obra que têm em mãos.
- Você afirma que o esperanto é um idioma “fácil” e “democrático”. Que em um ano todas as crianças do mundo poderiam aprender a se comunicar nessa língua. O que o faz tão sensível? De que línguas bebe seu vocabulário? O que singulariza o esperanto em relação a outros idiomas?
O idioma internacional esperanto é um idioma planejado com o objetivo de que possa servir de língua auxiliar para falantes duas línguas distintas, o qual se trata de um idioma regular, com 16 regras básicas que o regulam, não tem exceções e tem um sistema de afixos (prefixos e sufixos) que dão lugar a novas palavras facilmente. Deve se dizer que essa estrutura é típica das linguagens asiáticas. Se você diz a um chinês ou coreano que o esperanto é artificial porque constrói as palavras dos prefixos e sufixos, ele rirá de você, já que seus idiomas funcionam igualmente. A isso chamam linguagens aglutinantes. Além disso, as 16 regras fazem que seja um idioma lógico, o mesmo que fazem as crianças quando dizem “rompido” ou “andê” e sua mãe lhes corrige dizendo-lhes que se diz “romper” e “andei”. Com o esperanto contrariamente ao resto dos idiomas, não se experimenta esses erros, pois tem uma estrutura lógica. Escreve-se como se lê e se pronuncia como se escreve, e não tem sons difíceis (como o francês, inglês, chinês, ucraniano...), e se sabe que o esperanto é muito mais fácil para um chinês mandarim do que seu próprio idioma chinês mandarim (ou que o português, inglês, persa, russo, espanhol, etc.) porque são sons “la, le, li, lo, lu, ta, te, ti, to, tu, pa, pe, pi, po, pu, etc...” e não tem extravagância. As pessoas que o escutam pela primeira vez lhes parecem uma mescla entre checo, polaco, italiano ou brasileiro, para que você faça uma ideia do som.


- Como surge o esperanto e em quê contexto?
Contrariamente ao que as pessoas creem, não existe um idioma planejado, mas aproximadamente 670. Um sacerdote alemão Johann Martin Schleyer havia criado e impulsionado o idioma Volapük (vol= mundo, pük= língua) em 1879 e começava a ter uma grande comunidade de falantes por toda a Europa, mas ele se adjudicou da dita língua internacional. De repente, em 1887, um humilde judeu chamado Luís Lázaro Zamenhof anunciou a “Lingyo Internacia” sob o seu pseudônimo, Dr. Esperanto, que significa em esperanto “o que tem esperança”. Toda a comunidade do Volapük passou a esse idioma já que era uma genialidade por sua lógica, por sua estrutura e por sua facilidade de aprendizagem. Logo se constituíram associações de esperantistas por toda a Europa, que davam cursos da língua internacional. Zamenhof ofereceu “livre” essa língua aos linguistas sem lhe importar seus direitos de autor. Isso provocou o mesmo sentimento de instrumento universal que, um século depois, provocou o Software Livre na comunidade informática. A miúde, na comunidade esperantista se diz que Zamenhof foi o primeiro Hacker que promoveu o conhecimento universal e a livre circulação das ideias.
- Existem hoje umas 6.000 línguas no mundo. Poderia se considerar essa língua auxiliar e internacional como um apoio para as línguas minoritárias e, além disso, como uma barreira ao imperialismo linguístico?
Evidentemente, o esperanto põe em igualdade de condições um falante de uma língua minoritária (vasco, bretão, por exemplo) quando fala com um falante de uma majoritária (chinês mandarim ou árabe, por exemplo). Todos falam desde um plano de igualdade, ninguém discrimina seu interlocutor ou o faz sentir incômodo, porque o esperanto não pertence a nenhuma nação ou comunidade cultural concreta. Igual a um barco, um trem ou um computador, o esperanto é um simples instrumento de comunicação que, na atualidade, seria estúpido criticá-lo, pois já temos aprendido que esses meios de comunicação facilitam a circulação das pessoas no mundo.
- Pode se considerar que o inglês desempenha a mesma função que se atribui ao esperanto?
Por um lado, parece que o inglês é a língua internacional mais ou menos global na atualidade. Por outro lado, vemos que para dominar o inglês e falar de maneira natural com um nativo, tem que gastar muitos anos de nossa educação e investir muito dinheiro em livros, áudio-livros, filmes originais, escolas de idiomas, etc. Levamos muitos anos ouvindo o inglês e, desde a reforma educativa de 1984, no Estado Espanhol se partilha em todos os colégios, institutos e Universidades durante certo período de horas semanais.
30 anos depois, podemos afirmar que todos os alunos espanhóis dominam esse idioma? Ao contrário, o esperanto se aprende em um ano e, além disso, é grátis. E além do mais não pertence a nenhuma nação ou território geográfico. Apesar de aparentemente parecerem o mesmo, não são o mesmo.
- Quantos falantes o esperanto tem hoje no mundo e a que classes sociais (majoritariamente) pertencem?
É difícil responder a essa pergunta, visto que não existe uma base de dados que contabilize isso, da mesma forma que não sabemos quantos galegos de A Coruña tocam guitarra elétrica. Diz-se que entre dois e 10 milhões. Pessoalmente creio que a primeira cifra é mais real.
- Quais você considera que sejam os principais freios para a expansão do esperanto como língua de comunicação universal (sem que isso implique no desaparecimento das línguas autóctones)?
Eu creio que, por um lado, a repressão política foi o começo do freio desse movimento internacional. Torturaram e executaram muitos de seus falantes. Mais tarde, as Guerras Mundiais, que acabaram por frear todos os movimentos sociais progressistas do mundo. E outro fator a ter em conta foi que após a II Guerra Mundial, os Estados Unidos rebatizou a antiga Liga das Nações como a Organização das Nações Unidas impondo sua língua (junto com o anterior idioma internacional, o francês) e suas regras. Ainda nos dias de hoje, as línguas administrativas da Secretaria dessa nova organização chamada ONU são o francês e inglês exclusivamente. A partir daqui o mundo tem ido se “estadounizando” com sua cultura, sua visão da política e sua ordem militar.
- Você cita em seu livro uma reflexão do humanista Luis Vives, em 1532: “Seria uma felicidade se existisse um idioma comum a todos os povos; o latim desaparecerá e os povos ficarão isolados”. É o esperanto, no fundo, uma grande utopia humanista?
De certa maneira, claro. Mas também é uma realidade. Facebook está em esperanto, Twitter hospeda centenas de milhares de falantes dessa língua, OpenOffice, GNU/Linux, a radio internacional de China, a rádio oficial do Vaticano, há Universidades no Brasil e na China que dão aulas em esperanto, etc. Se alguém busca “esperanto” em algum motor de busca na internet, se dará conta de que é uma língua vivinha da silva.
- Também sublinhas no texto o vínculo entre o movimento operário organizado (particularmente o anarquismo) e a aprendizagem do esperanto...
O esperanto foi criado pela necessidade de que as pessoas se comunicassem e interagissem independentemente da nação onde haviam nascido (por pura aleatoriedade cósmica, já que ninguém elege seu lugar de nascimento, verdade?). Por aquela época o idioma internacional aplicado à ciência e à cultura era o francês, e só o podiam estudar as famílias da classe alta. O esperanto se propagava e, por sua facilidade, logo foi massiva sua demanda. Os Ateneus Libertários foram os impulsores mais apaixonados dessa ideia. Inclusive se organizou o Congresso Anarquista de Amsterdam em 1907 unicamente em esperanto. As pessoas que presidiram a junta do Congresso (Emma Goldman, Chapelier e Malatesta) firmaram uma série de acordos nos quais se afirmava, por exemplo, que a multiplicidade das línguas constitui fronteiras intelectuais e morais e, em consequência, uma trava para a propagação das ideias revolucionárias. E desde esse momento, todas as organizações libertárias adotaram o Esperanto como a língua internacional. O estado espanhol não é a exceção. E ao esperanto começaram a chamar “o latim dos operários”.
- Quais foram os períodos históricos de maior expansão e, em sentido contrário, de repressão mais dura do esperanto?
Os períodos de mais expansão foram os iniciais: a partir de 1887 se propagou gradualmente. E na atualidade, graças a Internet, também volta a se converter numa língua muito popular. A número 15 na Wikipedia, com muito mais artigos do que outras muitas línguas nacionais. Quanto aos períodos da repressão, os podemos situar entre as chamadas Guerras Mundiais. Os esperantistas foram acusados de anarquistas, de judeus, de comunistas, de espiões pró-americanos nos países soviéticos, etc. Exceto na China, onde recebeu apoio do regime porque sua introdução na Ásia se deveu ao movimento anarquista e, portanto, um movimento do povo.
- O esperanto é algo mais que uma língua “apátrida” e “de encontro entre iguais”. É um idioma ligado a uma “cultura da paz” que transcende, segundo você afirma no livro, as etiquetas de “esquerda” e “direita”. Poderia levar isso a uma assepsia espiritual e a falta de compromisso político numa época de empobrecimento generalizado das populações?
Isso não seria culpa do esperanto. O esperanto facilita a intercompreensão entre as pessoas de distintas nações (igual ao trem e o telefone). De quem é a culpa de que cada vez mais as pessoas se envolvem menos nas questões políticas e sociais ao seu redor? Dos trens? Eu creio que não. Penso que tudo é culpa da degeneração na qual caíram nossas sociedades chamadas “democráticas”, onde já desde pequenos se nos domesticam para memorizar, mas não a pensar. A escola é o primeiro passo para domesticar um indivíduo ou para lhe ensinar a ser crítico e pensar por si mesmo.
- Por último, você poderia citar grandes contribuições científicas ou artísticas à humanidade que se possam ler, exclusivamente, em esperanto?
Desconheço se existem contribuições que unicamente tenham sido publicadas em esperanto, mas em meu campo – a programação informática e a astronomia – seguem numerosos manuais de Linux, de Python, de Astronomia e Astrofotografia na língua esperanto de WikiBooks ou publicações de algumas associações esperantistas. Desde o começo da criação do esperanto até a atualidade, cientistas e escritores internacionais tem usado esse idioma em seus trabalhos. Mais personagens do que aparentemente se imagina, e isso se pode comprovar visitando a Associação Britânica de Esperanto, que possui mais de 20 mil obras unicamente em esperanto, ou o Museu Internacional de Esperanto em Viena, com também outras dezenas de milhares ou o grande arquivo da biblioteca da UEA (Universala Esperanto Asocio, a Associação Universal de Esperanto), com sede em Rotterdam, que conta com dezenas de milhares de obras.

Para quem conhecer  melhor o Esperanto: www.esperanto.com.br 

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