(Eduardo Galeano)
Entre os índios do Canadá não há nenhum barrigudo nem corcunda, dizem os
frades e os exploradores franceses. Se algum coxo existe ou cego ou torto, é
por ferida de guerra.
Não conhecem a propriedade nem a inveja, conta Pouchot, e chamam o
dinheiro de serpente dos franceses.
Consideram ridículo obedecer a um semelhante, disse Lafitau. Elegem
chefes que não têm privilégio algum; e nenhuma palavra humana ressoa mais forte
do que a voz dos sonhos.
Obedecem aos sonhos como os cristãos ao mandato divino, observa Brébeuf.
Obedecem-nos cada dia, porque através dos sonhos fala a alma à cada noite.
Comem quando têm fome, anota Cartier. Não conhecem mais o relógio do que
o apetite. São libertinos, adverte Le Jeune. Tanto a mulher quanto o homem
podem romper seu matrimônio quando quiserem. A virgindade não significa nada
para eles. Champlain descobriu anciãs que haviam se casado vinte vezes.
Segundo Le Jeune, não gostam nada de trabalhar, mas lhes encanta, por
outro lado, inventar mentiras.
São incapazes, comprova Biard, de entender uma idéia abstrata.
Segundo Brébeuf, os indios não podem entender a idéia de inferno. Jamais
haviam ouvido falar do castigo eterno. Quando os cristãos os ameaçam com o
inferno, os selvagens perguntam: E no
inferno, estarão meus amigos?
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