domingo, 9 de junho de 2013

Para entender o inferno (Memória do Fogo)

(Eduardo Galeano)

Entre os índios do Canadá não há nenhum barrigudo nem corcunda, dizem os frades e os exploradores franceses. Se algum coxo existe ou cego ou torto, é por ferida de guerra.
Não conhecem a propriedade nem a inveja, conta Pouchot, e chamam o dinheiro de serpente dos franceses.
Consideram ridículo obedecer a um semelhante, disse Lafitau. Elegem chefes que não têm privilégio algum; e nenhuma palavra humana ressoa mais forte do que a voz dos sonhos.
Obedecem aos sonhos como os cristãos ao mandato divino, observa Brébeuf. Obedecem-nos cada dia, porque através dos sonhos fala a alma à cada noite.
Comem quando têm fome, anota Cartier. Não conhecem mais o relógio do que o apetite. São libertinos, adverte Le Jeune. Tanto a mulher quanto o homem podem romper seu matrimônio quando quiserem. A virgindade não significa nada para eles. Champlain descobriu anciãs que haviam se casado vinte vezes.
Segundo Le Jeune, não gostam nada de trabalhar, mas lhes encanta, por outro lado, inventar mentiras.
São incapazes, comprova Biard, de entender uma idéia abstrata.
Segundo Brébeuf, os indios não podem entender a idéia de inferno. Jamais haviam ouvido falar do castigo eterno. Quando os cristãos os ameaçam com o inferno, os selvagens perguntam: E no inferno, estarão meus amigos?

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Sua opinião é importante para nós