Entrevista
feita por Enric Llopis com Joan Català i Piñon, autor de “Teus filhos deveriam
comer mais couve-flor e aprender um pouco de Esperanto” (Ed. Comú), publicada
no portal Rebelión, em 28/05/2013. Tradução: Haroldo Gomes.
Além de ativista social
(participou no coletivo editor de Indymedia em La Plana e Barcelona), Joan
Català i Piñon trabalha como programador de informática especializado em
Software Livre. Parte de seu ativismo consiste em oferecer, de modo voluntário,
cursos sobre essa ferramenta transformadora em escolas e associações. Mas,
também difunde o Esperanto, uma língua sensível e democrática, de comunicação
universal a qual dedicou um livro: “Teus filhos deveriam comer mais couve-flor
e aprender um pouco de Esperanto” (Ed. Comú). Considera como uma virtude desse
idioma que permite a todos os falantes “situar-se num plano de igualdade”, com
independência do domínio linguístico ao qual pertencem, seja hegemônico ou
minoritário.
- Você titula seu livro à maneira
surrealista, “Teus filhos deveriam comer mais couve-flor e aprender um pouco de
esperanto”. Que relação tem a couve e o esperanto?
O
título é pura criatividade para captar a atenção do leitor. Não gostava da ideia
de por um título aborrecido e pensei que um título rocambolesco faria com que
as pessoas pegassem o livro para tentar averiguar de que trata essa obra que
têm em mãos.
- Você afirma que o esperanto é um idioma “fácil” e “democrático”. Que em um ano todas as crianças do mundo poderiam aprender a se comunicar nessa língua. O que o faz tão sensível? De que línguas bebe seu vocabulário? O que singulariza o esperanto em relação a outros idiomas?
- Você afirma que o esperanto é um idioma “fácil” e “democrático”. Que em um ano todas as crianças do mundo poderiam aprender a se comunicar nessa língua. O que o faz tão sensível? De que línguas bebe seu vocabulário? O que singulariza o esperanto em relação a outros idiomas?
O
idioma internacional esperanto é um idioma planejado com o objetivo de que
possa servir de língua auxiliar para falantes duas línguas distintas, o qual se
trata de um idioma regular, com 16 regras básicas que o regulam, não tem
exceções e tem um sistema de afixos (prefixos e sufixos) que dão lugar a novas
palavras facilmente. Deve se dizer que essa estrutura é típica das linguagens
asiáticas. Se você diz a um chinês ou coreano que o esperanto é artificial
porque constrói as palavras dos prefixos e sufixos, ele rirá de você, já que
seus idiomas funcionam igualmente. A isso chamam linguagens aglutinantes. Além disso, as 16 regras fazem que seja um
idioma lógico, o mesmo que fazem as crianças quando dizem “rompido” ou “andê” e
sua mãe lhes corrige dizendo-lhes que se diz “romper” e “andei”. Com o
esperanto contrariamente ao resto dos idiomas, não se experimenta esses erros,
pois tem uma estrutura lógica. Escreve-se como se lê e se pronuncia como se
escreve, e não tem sons difíceis (como o francês, inglês, chinês,
ucraniano...), e se sabe que o esperanto é muito mais fácil para um chinês
mandarim do que seu próprio idioma chinês mandarim (ou que o português, inglês,
persa, russo, espanhol, etc.) porque são sons “la, le, li, lo, lu, ta, te, ti,
to, tu, pa, pe, pi, po, pu, etc...” e não tem extravagância. As pessoas que o escutam
pela primeira vez lhes parecem uma mescla entre checo, polaco, italiano ou
brasileiro, para que você faça uma ideia do som.
Contrariamente ao que as pessoas creem,
não existe um idioma planejado, mas aproximadamente 670. Um sacerdote alemão
Johann Martin Schleyer havia criado e impulsionado o idioma Volapük (vol=
mundo, pük= língua) em 1879 e começava a ter uma grande comunidade de falantes
por toda a Europa, mas ele se adjudicou da dita língua internacional. De
repente, em 1887, um humilde judeu chamado Luís Lázaro Zamenhof anunciou a
“Lingyo Internacia” sob o seu pseudônimo, Dr. Esperanto, que significa em
esperanto “o que tem esperança”. Toda a comunidade do Volapük passou a esse
idioma já que era uma genialidade por sua lógica, por sua estrutura e por sua
facilidade de aprendizagem. Logo se constituíram associações de esperantistas
por toda a Europa, que davam cursos da língua internacional. Zamenhof ofereceu
“livre” essa língua aos linguistas sem lhe importar seus direitos de autor.
Isso provocou o mesmo sentimento de instrumento universal que, um século
depois, provocou o Software Livre na comunidade informática. A miúde, na
comunidade esperantista se diz que Zamenhof foi o primeiro Hacker que promoveu
o conhecimento universal e a livre circulação das ideias.
- Existem hoje umas 6.000 línguas no mundo. Poderia se considerar essa
língua auxiliar e internacional como um apoio para as línguas minoritárias e,
além disso, como uma barreira ao imperialismo linguístico?
Evidentemente, o esperanto põe em
igualdade de condições um falante de uma língua minoritária (vasco, bretão, por
exemplo) quando fala com um falante de uma majoritária (chinês mandarim ou
árabe, por exemplo). Todos falam desde um plano de igualdade, ninguém
discrimina seu interlocutor ou o faz sentir incômodo, porque o esperanto não
pertence a nenhuma nação ou comunidade cultural concreta. Igual a um barco, um
trem ou um computador, o esperanto é um simples instrumento de comunicação que,
na atualidade, seria estúpido criticá-lo, pois já temos aprendido que esses
meios de comunicação facilitam a circulação das pessoas no mundo.
- Pode se considerar que o inglês desempenha a mesma função que se
atribui ao esperanto?
Por um lado, parece que o inglês
é a língua internacional mais ou menos global na atualidade. Por outro lado,
vemos que para dominar o inglês e falar de maneira natural com um nativo, tem
que gastar muitos anos de nossa educação e investir muito dinheiro em livros,
áudio-livros, filmes originais, escolas de idiomas, etc. Levamos muitos anos
ouvindo o inglês e, desde a reforma educativa de 1984, no Estado Espanhol se
partilha em todos os colégios, institutos e Universidades durante certo período
de horas semanais.
30 anos depois, podemos afirmar
que todos os alunos espanhóis dominam esse idioma? Ao contrário, o esperanto se
aprende em um ano e, além disso, é grátis. E além do mais não pertence a
nenhuma nação ou território geográfico. Apesar de aparentemente parecerem o
mesmo, não são o mesmo.
- Quantos falantes o esperanto tem hoje no mundo e a que classes sociais
(majoritariamente) pertencem?
É difícil responder a essa
pergunta, visto que não existe uma base de dados que contabilize isso, da mesma
forma que não sabemos quantos galegos de A Coruña tocam guitarra elétrica. Diz-se
que entre dois e 10 milhões. Pessoalmente creio que a primeira cifra é mais
real.
- Quais você considera que sejam os principais freios para a expansão do
esperanto como língua de comunicação universal (sem que isso implique no
desaparecimento das línguas autóctones)?
Eu creio que, por um lado, a
repressão política foi o começo do freio desse movimento internacional.
Torturaram e executaram muitos de seus falantes. Mais tarde, as Guerras
Mundiais, que acabaram por frear todos os movimentos sociais progressistas do
mundo. E outro fator a ter em conta foi que após a II Guerra Mundial, os
Estados Unidos rebatizou a antiga Liga das Nações como a Organização das Nações
Unidas impondo sua língua (junto com o anterior idioma internacional, o
francês) e suas regras. Ainda nos dias de hoje, as línguas administrativas da
Secretaria dessa nova organização chamada ONU são o francês e inglês
exclusivamente. A partir daqui o mundo tem ido se “estadounizando” com sua
cultura, sua visão da política e sua ordem militar.
- Você cita em seu livro uma reflexão do humanista Luis Vives, em 1532:
“Seria uma felicidade se existisse um idioma comum a todos os povos; o latim
desaparecerá e os povos ficarão isolados”. É o esperanto, no fundo, uma grande
utopia humanista?
De certa maneira, claro. Mas
também é uma realidade. Facebook está em esperanto, Twitter hospeda centenas de
milhares de falantes dessa língua, OpenOffice, GNU/Linux, a radio internacional
de China, a rádio oficial do Vaticano, há Universidades no Brasil e na China
que dão aulas em esperanto, etc. Se alguém busca “esperanto” em algum motor de
busca na internet, se dará conta de que é uma língua vivinha da silva.
- Também sublinhas no texto o vínculo entre o movimento operário
organizado (particularmente o anarquismo) e a aprendizagem do esperanto...
O esperanto foi criado pela
necessidade de que as pessoas se comunicassem e interagissem independentemente
da nação onde haviam nascido (por pura aleatoriedade cósmica, já que ninguém
elege seu lugar de nascimento, verdade?). Por aquela época o idioma internacional
aplicado à ciência e à cultura era o francês, e só o podiam estudar as famílias
da classe alta. O esperanto se propagava e, por sua facilidade, logo foi
massiva sua demanda. Os Ateneus Libertários foram os impulsores mais
apaixonados dessa ideia. Inclusive se organizou o Congresso Anarquista de
Amsterdam em 1907 unicamente em esperanto. As pessoas que presidiram a junta do
Congresso (Emma Goldman, Chapelier e Malatesta) firmaram uma série de acordos
nos quais se afirmava, por exemplo, que a multiplicidade das línguas constitui
fronteiras intelectuais e morais e, em consequência, uma trava para a
propagação das ideias revolucionárias. E desde esse momento, todas as
organizações libertárias adotaram o Esperanto como a língua internacional. O
estado espanhol não é a exceção. E ao esperanto começaram a chamar “o latim dos
operários”.
- Quais foram os períodos históricos de maior expansão e, em sentido
contrário, de repressão mais dura do esperanto?
Os períodos de mais expansão
foram os iniciais: a partir de 1887 se propagou gradualmente. E na atualidade,
graças a Internet, também volta a se converter numa língua muito popular. A
número 15 na Wikipedia, com muito mais artigos do que outras muitas línguas
nacionais. Quanto aos períodos da repressão, os podemos situar entre as
chamadas Guerras Mundiais. Os esperantistas foram acusados de anarquistas, de
judeus, de comunistas, de espiões pró-americanos nos países soviéticos, etc.
Exceto na China, onde recebeu apoio do regime porque sua introdução na Ásia se
deveu ao movimento anarquista e, portanto, um movimento do povo.
- O esperanto é algo mais que uma língua “apátrida” e “de encontro entre
iguais”. É um idioma ligado a uma “cultura da paz” que transcende, segundo você
afirma no livro, as etiquetas de “esquerda” e “direita”. Poderia levar isso a
uma assepsia espiritual e a falta de compromisso político numa época de
empobrecimento generalizado das populações?
Isso não seria culpa do
esperanto. O esperanto facilita a intercompreensão entre as pessoas de distintas
nações (igual ao trem e o telefone). De quem é a culpa de que cada vez mais as
pessoas se envolvem menos nas questões políticas e sociais ao seu redor? Dos
trens? Eu creio que não. Penso que tudo é culpa da degeneração na qual caíram
nossas sociedades chamadas “democráticas”, onde já desde pequenos se nos
domesticam para memorizar, mas não a pensar. A escola é o primeiro passo para
domesticar um indivíduo ou para lhe ensinar a ser crítico e pensar por si
mesmo.
- Por último, você poderia citar
grandes contribuições científicas ou artísticas à humanidade que se possam ler,
exclusivamente, em esperanto?
Desconheço se existem
contribuições que unicamente tenham sido publicadas em esperanto, mas em meu
campo – a programação informática e a astronomia – seguem numerosos manuais de
Linux, de Python, de Astronomia e Astrofotografia na língua esperanto de
WikiBooks ou publicações de algumas associações esperantistas. Desde o começo
da criação do esperanto até a atualidade, cientistas e escritores internacionais
tem usado esse idioma em seus trabalhos. Mais personagens do que aparentemente
se imagina, e isso se pode comprovar visitando a Associação Britânica de
Esperanto, que possui mais de 20 mil obras unicamente em esperanto, ou o Museu Internacional de Esperanto em Viena, com também outras dezenas de milhares ou o
grande arquivo da biblioteca da UEA (Universala Esperanto Asocio, a Associação
Universal de Esperanto), com sede em Rotterdam, que conta com dezenas de
milhares de obras.
Para quem conhecer melhor o Esperanto: www.esperanto.com.br
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